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Deus Não é Surdo

 

Deus Não é Surdo!!!

Marcelo de Matos Charles


Quando eu tinha aproximadamente uns 9/10 anos de idade, me lembro nitidamente de uma situação que ocorria em minha casa no interior de São Paulo. Nossa vizinha fazia e ainda faz até hoje cultos africanos. Desses cultos se ouvia gritarias, vozes estranhas e mais uma infinidade de coisas. Minha mãe então abria seu armário onde havia vários discos de vinil, sacava um disco dos Arautos do Rei, e se achando a exorcista do som, colocava no último volume o vinil. Estava então iniciada a guerra que acontecia todas as sextas à noite, a guerra do som alto contra o barulho. Fiquei pensando, com meus 9 anos de idade: será que minha mãe achava que realmente com o som alto iria parar com o problema ? O som alto resolveria? Bem, hoje estou com 34 anos e toda sexta feira ainda tem os cultos africanos, e minha mãe fecha as portas e janelas e coloca algodão nos ouvidos. Há dois anos atrás, conhecendo o problema, fiquei 3 meses com minha mãe, morando junto, e resolvi fazer um teste: orar. Quando os cultos da vizinha se iniciavam, eu mentalmente orava, e dentro de poucos minutos aquele culto, aquelas gritarias, paravam, e no dia seguinte os vizinhos me olhavam com uma cara nada boa.

Durante ao ano de 2010, me elegeram diretor de áudio e vídeo na Igreja Adventista do Sétimo Dia do Juveve em Curitiba – PR. Havia vários desafios a serem enfrentados, músicos que reclamavam dos retornos, pessoas que não gostavam do som alto, pessoas que não gostavam do som baixo, cantores que queriam o som do retorno muito alto, enfim, havia muita coisa a ser feita. Na minha antiga experiência caseira, com som alto, eu já sabia que guerra de som acontecia entre vizinhos, e também na igreja, entre músicos, entre cantores, entre pregadores. Durante anos na igreja adventista, muitas igrejas deixaram se influenciar só pelo lado técnico da coisa toda, e esqueceram a questão da espiritualidade na qualidade de som a ser feita. Muitas músicas foram compostas para literalmente explodir as caixas de som, queimar amplificadores, estourar os tímpanos dos irmãozinhos e deixar roucos os cantores. Mas todo esse esforço descomunal é para que ? Para que chegue aos céus realmente? Será que nosso Deus, que projetou nossa audição e voz, realmente tem problemas de audição ?

Devido a então essa “cultura” do som alto, dos graves explodindo e agudos irritantes, o que então fazer? Pensei o seguinte: a igreja conversa muito, é barulhenta, se eu começar a regredir os volumes as conversas vão aparecer, ninguém vai ouvir, enfim, será que vai ser realmente bom ? Conversei com um dos anciãos e ele me deu algumas sugestões referentes à reverência na igreja e sonorização. Bom, só nos restava então testarmos a teoria. Começamos a baixar os volumes, de uma média de 90 a 100 decibéis, para uma faixa de 60 a 70 decibéis. Muitos irmão diziam: não estou ouvindo, o som está baixo demais, etc. Continuamos com a experiência e depois e 3 meses notou-se uma diferença grande na igreja, ninguém mais reclamava, a igreja estava mais silenciosa, e o baixo volume prendia mais a atenção de todos para ouvir, do que o alto volume. Continuamos com essa experiência até o mês de julho, quando resolvi fazer outra experiência: levantar o volume para os níveis de antigamente. Logo começou a se ouvir a reclamação de vários sobre o volume estar muito alto. Essa experiência terminou-se hoje, 31/07/2010, no qual usei os volumes mais baixos, tivemos uma congregação mais silenciosa, e o culto aconteceu de uma forma muito solene, o que é ideal para a adoração. Resumindo, volume é questão de cultura e de costume.

Hoje então posso afirmar categoricamente, por testes realizados, que volumes altos dentro da nossa igreja adventista são mais prejudiciais para a adoração do que baixos volumes. Comprovadamente notou-se que, quando há um maior volume de som, a igreja conversa mais, por conseqüência acaba prestando menor atenção na pregação e no culto.

Agora, vamos analisar outros aspectos sobre som alto: é sabido que pessoas expostas a altos níveis de volume , por determinado período de tempo, podem ter sua audição prejudicada para sempre. Segundo as normas de segurança do trabalho, foi definida a tabela abaixo, que é a tabela de limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente, de acordo com o Anexo I da Norma Regulamentadora nº 15 (NR 15), Portaria 3.214 de 08/06/1978 (Ministério do Trabalho), que dispõe sobre o programa de Prevenção de Riscos Ambientais.

Nível de ruído
dB (A)
Máxima exposição diária
permissível
85 8 horas
86 7 horas
87 6 horas
88 5 horas
89 4 horas e 30 minutos
90 4 horas
91 3 horas e trinta minutos
92 3 horas
93 2 horas e 40 minutos
94 2 horas e 15 minutos
95 2 horas
96 1 hora e 45 minutos
98 1 hora e 15 minutos
100 1 hora
102 45 minutos
104 35 minutos
105 30 minutos
106 25 minutos
108 20 minutos
110 15 minutos
112 10 minutos
114 8 minutos
115 7 minutos

Agora vamos trazer isso para nossa realidade dentro dos cultos. Um nível que seja de 95 decibéis é suportável para até 2 horas, sendo que nosso culto no sábado de manhã dura em média 3 horas, lembrando que em muitas mensagens musicais, os picos chegam a 105 decibéis, constatados por mim não só na Igreja Adventista do Sétimo Dia no Juvevê, como também na igreja Central de Curitiba, igreja do Tingui, Portão e outras igrejas adventistas. Alguém irá perguntar, você anda com um decibelímetro debaixo do braço ? Sim, através de um pequeno computador pessoal/celular , rodando um software dedicado em cima do sistema operacional Windows Mobile, no qual calibrei o mesmo comparando com um decibelímetro verdadeiro.

Vamos esquecer um pouco a questão da solenidade, da adoração, da saúde auditiva (mas vamos esquecer só por alguns instantes ok?) e vamos para a questão da política da boa vizinhança. Você realmente gostaria de morar do lado de uma igreja? Pense nisso. Seria legal você tentar descansar da sua semana atribulada, no conforte de sua casa, com uma igreja ao lado fazendo um alto som? Agora, invertamos os papéis, que tipo de exemplo nós cristãos, estamos dando sobre a política da boa vizinhança? Sobre o amor ao próximo? É mais fácil chamar o vizinho de careta e chato? E se estivéssemos no lugar dele, tentando fazer os filhos dormirem?

Tudo bem, vamos esquecer, por alguns segundos, os motivos expostos acima, e vamos agora só pensar nos ouvidos alheios, isso é, nos ouvidos que estão dentro da igreja, sofrendo com o alto volume. É realmente justo com essas pessoas, fazê-las agüentar o alto volume só porque tem alguém surdo dentro da igreja? Ou agüentar o alto volume só porque o responsável de som acha que é o ideal? A igreja é de todos e para todos, e todos merecem ser respeitados. Mas então como se resolve isso? Simples, estabelecendo padrões de decibéis. Aos que tem dificuldade em ouvir, devem sentar nos primeiros bancos, na frente, aos que ouvem bem, podem sentar mais ao fundo, e um volume deve ser votado e respeitado. Aqui em nossa igreja votamos 85 decibéis, e que no entanto não é um volume tão baixo e até consideravelmente alto, mas trabalhamos na média de 75 a 80 decibéis, pois deixamos uma folga de 10 a 15 decibéis para as dinâmicas.

Mas ok, vamos esquecer agora, novamente, por alguns segundos, todos os motivos acima, e vamos nos apegar agora ao fator dos equipamentos técnicos. Já vi muitas igrejas trabalharem com seus amplificadores no máximo de volume, achando isso ser correto. Bom, se o seu amplificador ainda não queimou ou nenhuma caixa ou drive/tweeter não queimou, é porque Deus é um Deus de amor e protege o investimento suado dos irmãos. Mas tenho certeza que o querido leitor já teve algo queimado, ou se não teve, conhece alguém que teve, e que a situação ocorreu justamente quando o som estava sendo utilizado em alto volume. Alguém já parou para ler as especificações técnicas de um alto falante, de uma caixa acústica , de um tweeter ou driver de agudos ? Já notaram que colocam uma especificação dizendo até quanto o produto suporta? 100 decibeis, 120 decibeis, 98 decibeis, já viram isso ?

Mas ok, novamente vamos esquecer de tudo que foi dito acima, e vamos nos apegar aos custos que a igreja gasta com um grande sistema de som. Você foi numa loja de som, e o vendedor te disse que para um publico de 600 pessoas, você vai precisar de uns 3000 watts RMS e blá blá blá. Ai, você se da conta de que os custos são limitados, e então, o que fazer? No som do coral Tabernaculus, coral pertencente à igreja do Juvevê, foi comprado um som, no qual há duas maravilhosas caixas JBL de 235w RMS cada. E um dia, instalei elas na igreja, onde comporta-se 600 pessoas, e as 2 caixas de 235w RMS atenderam perfeitamente. Ou seja, eu poderia dizer que apenas 180w RMS por cada caixa seria suficiente para atender um publico em reverência, e 200 watts RMS para um público batendo papo. Chegamos à conclusão que a nossa idéia de que uma igreja grande precisa de muito volume, acaba por nos desanimar nos investimentos. Concordo que equipamentos de qualidade custam mais caro, mas digo que equipamentos de qualidade e mais potentes custam mais caro ainda, e no fim não chega-se a usar toda a potência oferecida por esses equipamentos. Equipamentos de qualidade, não tão potentes, e mais baratos dão conta tranquilamente do problema.

Agora, vamos pegar todos os motivos acima e relacioná-los resumidamente, e veremos que um som com volume mais baixo, moderado, faz muita diferença, vejam.

  • A igreja fica mais silenciosa e mais atenta.
  • Não ocorre a guerra do som mais alto entre cantores, instrumentistas, etc.
  • O culto se torna mais solene e devocional.
  • Nossa audição não é prejudicada.
  • Mantemos a política da boa vizinhança com nossos vizinhos, além do bom testemunho.
  • Respeitamos os ouvidos de nossos irmãos.
  • Conservamos nossos equipamentos.
  • Reduzimos custos com a aquisição de novos equipamentos.

Eu poderia ainda continuar a procurar motivos, e teria muitos mais, mas acho que esses acima são mais do que suficientes pra nosso objetivo como cristãos e como bom testemunho.

Agora, de quem é a responsabilidade desse problema? Desculpe meu amigo técnico, mas é nossa, nós técnicos, diretores de áudio e vídeo, temos a responsabilidade sobre o problema do som alto, e temos que atuar fortemente para que o culto devocional seja um momento de adoração, de encontro com Deus, e não um momento de exibição das qualidades “gravisticas” ou “agudisticas” da nossa mesa de som, nem o momento de achar que o alto volume daquela cantora vai fazer com que todos saiam correndo, se convertam e se joguem no tanque batismal e já subam iluminados para o céu.

A voz humana se encontra, em sua maior parte, na região das frequências médias e médio agudo; essas regiões quando bem equalizadas, refletem uma voz limpa e clara, mas quando o técnico exagera os graves e agudos, essas regiões perdem sua definição, acabem ficando escondidas pela embolação de graves e proeminências de agudos sibilantes. Ao se deixar o som de forma FLAT, plana ou reta, ou seja, sem invenção de moda, fazendo com que haja graves e agudos moderados, e com boa equalização, a inteligibilidade é enaltecida e obviamente um som mais claro aparecerá, pois a clareza das palavras pronunciadas, sem “firulas” ou exageros, é o ideal ser obtido. Afinal de contas, “a fé vem por se ouvir a mensagem” (Romanos 10:17 – NVI).

Já ouvi muitas outras igrejas me dizerem o seguinte, nossa caixa queimou, nossa potencia queimou, o que fazer ? Porque queimou? Simples, porque existem dezenas de pregadores , que acham que oratória é gritar, berrar; mas se fizessem um verdadeiro curso de oratória , veriam que manter a atenção do ouvinte está longe disso. Alguns cantores acham que cantar é gritar, alguns músicos acham que o som de seus instrumentos deve ser alto. A partir desses que adoram gritar, muitos técnicos tem que ancorar seus navios em compressores e limiters para que possam conservar seus equipamentos. Outro dia ouvi uma piada, que chega até a ser engraçada... Chegaram para o Inimigo – que todos sabem quem é – e perguntaram, “De qual igreja você gosta mais?” E aí ele respondeu, “Daquela tal igreja” (não vou mencionar a igreja original da piada), e perguntaram “Por que?” “Porque lá naquela igreja me deixam falar no microfone.” E o pior que a piada é verdade, basta sintonizar um canal de TV aberta pós as 22 horas. Aí está uma coisa que não gostaria de fazer, equalizar a voz do inimigo, quanto mais dar volume de som pra ele se destacar.

Eu já ouvi o seguinte: “volume alto tem mais qualidade”. Mas na verdade essa afirmativa é errada, volume ideal tem mais qualidade que volume alto, pois no volume alto há distorção, já o volume ideal é agradável, confortável, prazeroso.

Nos melhores estúdios de gravação do mundo, os monitores de referência de áudio são calibrados para trabalharem exatamente entre 80 a 85 decibéis, mais que isso é impróprio para a mixagem e masterizações, menos que isso também. Eu cheguei à conclusão que o volume ideal para um culto ser solene, deve atingir no máximo 75 decibéis.

Outro amigo irá dizer, “mas som baixo dá soninho né?” “Vai ter irmãozinho dormindo na igreja né?” Bom, se o irmãozinho dorme na igreja, não é o som alto que vai recuperar o sono dele mal dormido durante a semana devido a estudos e trabalho, mas o irmãozinho dorme na igreja porque está realmente cansado, e deve ir para casa dormir e recuperar seu sono atrasado. O som alto vai é na verdade atrapalhar o soninho dele na igreja.

Alguém mais dirá , “e nos cultos jovens, como o JA a tarde, o que fazer então?” Em geral nos cultos jovens eu uso um volume um pouco maior, cravado em 85 decibéis, pois são cultos mais curtos, as musicas são mais agitadas e os freqüentadores basicamente gostam mais. Basicamente estou dizendo também que volume um pouco acima do normal tem seu momento e sua hora, assim como um volume baixo, mas mesmo em cultos jovens evito os exageros, pois ainda estamos num local santo.

Quero antes de terminar o artigo, dizer que eu particularmente gosto de som alto, tenho um subwoofer muito bacana em casa, caixinhas JBL, e gosto de ouvir som na minha casa em um volume até considerável, respeitando obviamente os vizinhos; mas não podemos aplicar nossos gostos num lugar santo, devemos saber separar isso. E separar é um problema. Por exemplo: eu gosto de bateria, mas a considero imprópria para a adoração solene dentro da igreja.

E para terminar esse artigo, todos nós sabemos que a igreja é um local santo, é onde adoramos e louvamos a nosso Deus, devemos respeitar esse lugar com amor, zelo e dedicação. Nós, técnicos, temos que fazer nossa parte nisso.

Grande abraço a todos

Marcelo de Matos Charles
Consultoria em áudio e acústica
Aphex Tecnologia


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